Ativo Mobilizado e as novas regras contábeis
É sabido que até a edição da Lei 11.638/2007, a grande maioria das empresas brasileiras vinha divulgando informações de forma equivocada sobre as taxas de depreciação. Um exemplo disso é a notícia de que seus balanços levavam em consideração a estimativa de vida útil dos bens, quando em verdade, essas taxas eram as mesmas reconhecidas pela Secretaria da Receita Federal como sendo dedutíveis nas bases de cálculo do IRPJ e CSLL.
Ao longo dos anos, com o aproveitamento máximo das taxas de depreciação, as empresas viram seu ativo imobilizado contábil diminuir e, em até alguns casos, reduzir-se a zero, embora os bens correspondentes estivessem em plena operação e gerando caixa como se fossem novos. Essa questão era ainda mais nociva do ponto de vista contábil quando se utilizava a depreciação acelerada, ou seja, quando a operação era realizada em mais de um turno de trabalho.
Para compensar essa “heresia” contábil, as empresas utilizavam-se do instituto da Reavaliação, recompondo o valor patrimonial dos bens e, por consequência, do próprio patrimônio líquido. Com o advento da Lei 11.638/2007, a adoção da Reavaliação de ativos como forma de recompor o imobilizado – ou o patrimônio líquido – deixou de ser permitida.
Contudo, o ICPC 10, que é a interpretação sobre a aplicação inicial ao ativo imobilizado e a propriedade para investimento (CPCs 27, 28, 37 e 43), permitiu e incentivou a atribuição de custo (deemed cost), sendo essa opção aplicável apenas e tão somente na adoção inicial, não sendo admitida revisão da opção em períodos subsequentes.
Segundo o item 22 do ICPC 10:
Incentiva-se, fortemente, que, no caso do item 21 desta Interpretação, na adoção do Pronunciamento Técnico CPC 27 seja adotado, como custo atribuído (deemed cost), esse valor justo. Essa opção é aplicável apenas e tão somente na adoção inicial, não sendo admitida revisão da opção em períodos subsequentes ao da adoção inicial.
Consequentemente, esse procedimento específico não significa a adoção da prática contábil da reavaliação de bens apresentada no próprio Pronunciamento Técnico CPC 27. A previsão de atribuição de custo na adoção inicial (deemed cost) está em linha com o contido nas normas contábeis internacionais emitidas pelo IASB (IFRS 1, em especial nos itens D5 a D8).
Se realizada reavaliação do imobilizado anteriormente, enquanto legalmente permitida, e substancialmente representativa ainda do valor justo, podem seus valores ser admitidos como custo atribuído. (Fonte: ICPC 10).
Cabe destacar que os novos normativos devem ser adotados no exercício de 2010, não sendo admitida sua postergação para períodos posteriores. Diante dessas premissas, muitas empresas notaram a possibilidade de regularizar o custo (ou valor justo) do seu ativo imobilizado.
E, em conjunto com os demais pronunciamentos correlatos, adequar a estimativa de vida útil dos bens, item este que historicamente nunca foi objeto de uma análise técnica adequada, pois a taxa fiscal até então utilizada visivelmente não condizia com a realidade operacional da maioria delas.
Assim, a adoção dos novos normativos contábeis tem como principais objetivos:
1) Inventariar anualmente os bens com o objetivo de verificar sua utilização e estado de conservação, ajustando a taxa de depreciação sempre que observada alguma inconsistência, mesmo que tecnológica;
2) atribuir valor aos bens de maior relevância, principalmente, àqueles ligados à área produtiva (indústria) – somente em 2010;
3) estimar a vida útil efetiva desses bens e o valor a ser depreciável, de modo que a despesa com depreciação seja apresentada com maior fidedignidade; e
4) eliminar ressalvas técnicas dos auditores independentes sobre os balanços que não observarem as novas regras.
Procedimentos a serem adotados:
Deverão ser elaborados, por pessoal especializado, laudos técnicos determinando a estimativa de vida útil e econômica dos bens. Cabe destacar que a vida útil do bem é diferente de vida econômica, pois a primeira está ligada a quanto tempo o bem vai durar ou é permitido o seu uso; e a segunda está ligada a quanto tempo a empresa pretende permanecer com o bem.
O laudo deve indicar o valor recuperável dos ativos, ou seja, o montante pelo qual se espera obter quando o bem for desativado. Entendemos que, por mais que seja difícil esta previsão, muitos dos bens terão um valor recuperável no futuro pela venda, principalmente bens de fácil colocação no mercado, como veículos.
É importante ressaltar que o valor depreciável e que gera despesas no resultado será a diferença entre o valor estimado do bem (deemed cost) e o valor recuperável (ou valor residual). Obviamente que se não houver valor atribuído, a depreciação será pela diferença entre o custo de aquisição e o valor recuperável.
A estimativa de vida útil dos bens não pode ser realizada somente com base no que é usual pelo mercado, mas também em como a empresa administra seus bens, considerando o histórico de manutenção, de posse e desativação, a forma de utilização entre outros. Em resumo, é necessário olhar para o passado para prever como será o comportamento no futuro, fazendo ajustes sempre que preciso.
Um ponto a ser considerado é que a estimativa de vida útil não precisa necessariamente ser medida em tempo de uso. O item 62 do CPC 27 destaca:
Vários métodos de depreciação podem ser utilizados para apropriar de forma sistemática o valor depreciável de um ativo ao longo da sua vida útil. Tais métodos incluem o método da linha reta, o método dos saldos decrescentes e o método de unidades produzidas.
- A depreciação pelo método linear resulta em despesa constante durante a vida útil do ativo, caso o seu valor residual não se altere.
- O método dos saldos decrescentes resulta em despesa decrescente durante a vida útil.
- O método de unidades produzidas resulta em despesa baseada no uso ou produção esperados.
A entidade seleciona o método que melhor reflete o padrão do consumo dos benefícios econômicos futuros esperados incorporados no ativo. Esse método é aplicado consistentemente entre períodos, a não ser que exista alteração nesse padrão.
Essa premissa do CPC deve ser levada em consideração principalmente porque no período de manutenção programado nenhuma depreciação de equipamentos da indústria deve ser contabilizada.
Contabilização, efeitos fiscais e distribuição de dividendos:
A contabilização da mais valia dos ativos é exatamente igual à antiga Reavaliação, inclusive quanto ao reconhecimento do IRPJ e da CSLL diferidos, porém, a contrapartida em conta de Reserva de Reavaliação no Patrimônio Líquido do passado passa a ser na nova rubrica denominada Ajustes de Avaliação Patrimonial. Deverão ser mantidos controles adequados se demais ajustes em contrapartida dessa rubrica forem requeridos.
É importante lembrar que a extensão do prazo de vida útil calculada pelos peritos, ou em alguns casos a sua diminuição, não produzirá efeitos na apuração dos impostos, motivo pelo qual é recomendável que a empresa mantenha dois sistemas de controle patrimonial, sendo um para cálculo e registro contábil da depreciação pelas novas taxas; e outro para apuração das bases de cálculo de IRPJ e CSLL.
Sem esse controle é impossível ajustar as bases de cálculo no LALUR, tendo a empresa que adotar as novas taxas como dedutíveis ou ficar sujeita a autuações fiscais se o prazo estimado for inferior ao determinado pelo fisco.
Bom lembrar também que os ajustes da depreciação no LALUR, ou seja, diferente da despesa contabilizada, produzirão efeitos fiscais futuros que deverão ser reconhecidos (IRPJ/CSLL diferidos) – na maioria dos casos, um passivo.
A mais valia de ativos pode aumentar o valor da despesa de depreciação, diminuindo o lucro ou gerando prejuízo e, num primeiro momento, a ideia que se tem é que isso afeta o valor a ser distribuído a título de dividendos. Contudo, esse efeito é eliminado, pois, a exemplo da antiga Reavaliação, a empresa deve “Realizar” a rubrica de Ajustes de Avaliação Patrimonial contra a conta Lucros Acumulados, compensando o valor da depreciação a maior registrada. Em resumo, o procedimento de avaliação não afeta a distribuição de dividendos.
Todos esses efeitos futuros devem ser rigorosamente calculados para a empresa não incorrer no equívoco de começar, a partir da avaliação, a apresentar somente resultados negativos, pois a depreciação de mais valia registrada no resultado é eliminada somente no patrimônio líquido. Assim, para quem depende de demonstrar lucro para captação de recursos no mercado, esse é um item que deve ser muito bem calculado.
Considerações finais:
O processo de avaliação de bens do ativo imobilizado requer metodologia e capacidade técnica próprios e, por ter um impacto significativo sobre as demonstrações contábeis que perdura por um período razoável de tempo, é necessário que auditores, contadores e administradores de empresas utilizem a experiência para assegurar que todas as precauções possíveis serão devidamente tomadas. Além disso, é importante garantir que o montante de avaliação a ser reconhecido está próximo do que seria efetivamente adequado, que os efeitos contábeis futuros foram avaliados e que a estimativa de vida útil a ser determinada pelos peritos condiz com as operações da empresa.
Há de se ressaltar ainda que esse processo de avaliação não se confunde com os processos de Reavaliações de bens utilizados em grande escala pelas empresas no passado. Primeiro porque, pela norma, não mais se poderá atribuir valor ao imobilizado no futuro e, segundo, que esse processo tem por objetivo primordial trazer os valores e procedimentos contábeis o mais próximo da realidade de cada empresa, como sendo única e não dentro de um contexto padronizado de mercado.
Assim, devem ser levados em consideração detalhes próprios da sua gestão e da sua operação. Inclusive, a própria norma estabelece uma revisão dos critérios no mínimo anualmente, pois já se prevê que em uma mudança de administração ou gestão, os valores de recuperação de ativos, e consequentemente, de vida útil, poderão sofrer alterações importantes, razão pela qual esses itens não podem ser considerados fatores desprezíveis nesse momento.
Fonte: Moore Stephens News (12/2011).